ANÁLISE: Correção de preços no Mercado da Borracha Natural

O Fim da Alta ou Apenas uma Pausa?

ANÁLISE: Correção de preços no Mercado da Borracha Natural
Photo by Markus Winkler / Unsplash

Panorama Internacional: O mercado global de borracha natural é dominado pela produção asiática, com destaque para Tailândia, Indonésia e Vietnã. A Tailândia sozinha responde por cerca de um terço da produção mundial. Em 2024, a oferta global foi estimada em torno de 14,5 milhões de toneladas, enquanto a demanda alcançou cerca de 15,7 milhões de toneladas. Esse déficit anual de aproximadamente 1,2 milhão de toneladas indicou um desequilíbrio importante entre oferta e demanda, tornando a borracha natural uma das commodities de melhor desempenho em 2024. De fato, condições climáticas adversas (seca seguida de enchentes) nas principais regiões produtoras reduziram a produção e impulsionaram os preços a níveis recordes. Em outubro de 2024, os contratos futuros no mercado de Osaka atingiram ¥419,7 por kg (cerca de US$2,81), o maior patamar em 13 anos. Paralelamente, os preços físicos também subiram – a borracha exportada pela Tailândia valorizou-se mais de 30% nos primeiros nove meses de 2024. Contudo, esse cenário de alta começou a mudar no final de 2024, à medida que alguns fundamentos do mercado se rearranjaram.

Oferta e Demanda: No início de 2025, observa-se uma reversão na tendência de preços. Em janeiro, o mercado internacional entrou em trajetória de baixa, reflexo principalmente de uma melhora na oferta e de uma temporária moderação na demanda. Condições climáticas mais favoráveis nas regiões produtoras permitiram a recuperação da produção em países-chave (como Tailândia e Vietnã), amenizando o déficit que pressionava os preços. Ao mesmo tempo, a demanda enfraqueceu temporariamente devido a fatores sazonais e econômicos. Na China – maior consumidor e importador mundial de borracha natural – as compras desaceleraram no período que antecede o Ano Novo Lunar (Festival da Primavera). Tradicionalmente, muitas fábricas chinesas reduzem atividades nesse período festivo, levando à acumulação de estoques. Em meados de janeiro, os estoques de borracha nos armazéns da região de Qingdao subiram para cerca de 504 mil toneladas, um aumento de 4,2 mil toneladas em relação ao período anterior, sinalizando menor consumo imediato. Com oferta suficientemente atendendo à demanda da indústria de pneus e automotiva, especialmente no Sudeste Asiático, os preços internacionais cederam: estima-se uma queda próxima a 2% nos mercados asiáticos no início de 2025. Em média, a borracha natural foi cotada em torno de US$2,00/kg no mercado global em janeiro de 2025, valor estável ou ligeiramente abaixo do mês anterior, indicando um arrefecimento em comparação aos picos de 2024.

Políticas Econômicas e Comerciais: Medidas regulatórias e eventos geopolíticos recentes também influenciaram a queda dos preços. Na União Europeia, a implementação da nova Regulação de Desmatamento (EUDR), prevista para entrar em vigor, foi adiada em 12 meses a partir de 1º de outubro de 2024. Esse adiamento deu fôlego aos exportadores de borracha, aliviando preocupações imediatas de perder acesso ao mercado europeu por questões socioambientais. Com a pressão imediata reduzida, diminuiu a corrida por borracha que atendesse aos novos requisitos, contribuindo para a acomodação dos preços. Nos Estados Unidos, a mudança de governo no início de 2025 trouxe de volta temores de guerras comerciais. A possibilidade de novas tarifas sobre produtos chineses – incluindo borracha ou itens que a contenham – gerou expectativas de menor fluxo comercial, o que teria impacto na demanda global. Como a China é o principal destino da borracha natural (seja para consumo interno seja para reexportar na forma de pneus e outros produtos), qualquer retaliação tarifária tende a desestimular suas importações, pressionando os preços para baixo. Além disso, fatores macroeconômicos globais, como a queda no preço do petróleo durante o último trimestre de 2024, influenciaram indiretamente o mercado de borracha. Com o petróleo mais barato, a borracha sintética (derivada petroquímica) tornou-se mais competitiva em custo, reduzindo parte da demanda pela borracha natural, já que alguns fabricantes podem substituir uma pela outra em determinadas aplicações. Esses fatores econômicos e políticos, somados, fortaleceram o viés de baixa dos preços internacionais no começo de 2025.

Aspectos Ambientais e Técnicos: O clima e o meio ambiente desempenham um papel crítico na oferta de borracha natural. Em 2024, eventos climáticos extremos demonstraram essa sensibilidade: uma combinação de seca severa seguida de chuvas excessivas e inundações atingiu plantações na Ásia, reduzindo a frequência de sangria das seringueiras e até favorecendo o surgimento de doenças foliares. Estima-se que a produção tailandesa tenha caído entre 10% e 15% no ano devido a essas intempéries, e projeções iniciais indicavam que a produção global não conseguiria atender totalmente o consumo em 2024. Entretanto, no início de 2025 o quadro climático mostrou melhora: com temperaturas e regimes de chuva mais dentro da normalidade nas regiões produtoras, a extração de látex voltou a ganhar ritmo. É importante notar que a seringueira possui uma sazonalidade de produção – um período de entressafra (chamado de wintering, tipicamente de fevereiro a maio no Sudeste Asiático) em que as árvores perdem folhas e produzem menos látex. Em 2024, esse período foi atípico e prolongado devido a ondas de calor de 40 °C seguidas por tufões e enchentes, agravando a escassez de oferta. Para 2025, caso as condições climáticas sejam mais amenas, espera-se uma entressafra dentro do padrão, o que pode manter a oferta relativamente estável.

Do ponto de vista técnico, a borracha sintética é um competidor importante da borracha natural. Produzida a partir de derivados de petróleo, ela tende a ganhar espaço quando o petróleo está barato – exatamente o que ocorreu no final de 2024, como mencionado. Por outro lado, certos segmentos (especialmente pneus de caminhão, aeronaves e aplicações que exigem alta resiliência) dependem da borracha natural por suas propriedades únicas de elasticidade e resistência, que ainda não são plenamente alcançadas pelos sintéticos. Assim, existe um limite técnico para a substituição, garantindo uma demanda básica por borracha natural mesmo em cenários de preços baixos.

No âmbito ambiental, a expansão e manejo de seringais vêm acompanhados de preocupações com desmatamento e sustentabilidade. A União Europeia e outros compradores internacionais têm sinalizado exigências mais rígidas para garantir que a borracha importada não esteja associada a desmatamento ou violações socioambientais – daí a mencionada EUDR. Esse fator não teve efeito imediato nos preços devido ao adiamento da norma, mas no longo prazo pode influenciar investimentos e custos de conformidade na cadeia produtiva da borracha. Produtores que adotarem práticas sustentáveis e rastreabilidade podem ter vantagem competitiva em acessar mercados premium no futuro, enquanto países que não se adequarem enfrentarão barreiras comerciais. Em resumo, o contexto global da borracha natural no início de 2025 é marcado pela confluência de fatores econômicos (oferta, demanda, concorrentes industriais), políticos (tarifas, regulações) e ambientais (clima, sustentabilidade) – todos contribuindo para a recente queda de preços após um ano de fortes oscilações.

Impactos no Brasil

Produção Doméstica e Competitividade: A redução dos preços internacionais da borracha natural tem repercussões diretas no Brasil, tanto para indústrias quanto para os produtores rurais. O país atualmente produz somente cerca de 40% da borracha natural consumida internamente, enquanto aproximadamente 60% é suprida por importações. Essa dependência externa, aliada a tarifas de importação historicamente baixas, gerou um ambiente desafiador para os heveicultores nacionais. Com a abundância de borracha importada a preços competitivos (frequentemente menores que os custos internos de produção), os produtores brasileiros vêm enfrentando dificuldade crescente em manter a rentabilidade. Entre 2017 e 2023, por exemplo, o mercado nacional foi inundado por pneus importados baratos – um produto acabado que incorpora borracha natural. As importações de pneus de automóveis e caminhões mais que dobraram nesse período (+117%), passando de 16,9 para 36,8 milhões de unidades. Essa enxurrada de produtos importados, oferecidos a preços baixos, derrubou a demanda pela borracha brasileira e desencadeou uma crise na cadeia produtiva doméstica. Muitos produtores deixaram de conseguir escoar sua produção e viram os preços pagos despencarem, levando alguns a abandonar os seringais. No principal estado produtor, São Paulo, estima-se que a safra 2023/24 tenha sido 15% a 20% menor que a do ciclo anterior. A área colhida no estado retraiu, passando de 115,2 mil hectares em 2022/23 para 113,3 mil ha em 2023/24, e a produção paulista caiu de 282,1 mil para 273,5 mil toneladas – um recuo inédito em décadas de cultivo sistemático de seringueiras. Produtores têm relatado que os preços baixos e a falta de capital de giro inviabilizam a manutenção dos seringais, forçando decisões drásticas como substituição por outras culturas (caso da migração para cana-de-açúcar em algumas áreas) ou abandono das fazendas. Em alguns casos extremos, houve registro de produtores erradicando seringueiras – cortando árvores antes do fim do ciclo produtivo – por não conseguirem mais cobrir os custos. Em 2022, o Brasil produziu 416,9 mil toneladas de borracha natural (coagulada), gerando um valor bruto de R$1,8 bilhão, segundo o IBGE. Esses números mostram a relevância econômica do setor, mas também reforçam sua fragilidade: uma vez que a demanda interna é bem maior que a oferta, os preços domésticos são amplamente influenciados pelo valor da borracha importada. Quando este cai, como ocorreu em janeiro de 2025, a borracha nacional perde ainda mais espaço, comprimindo as margens dos seringueiros brasileiros.

Mercado Interno e Indústria Consumidora: Os principais consumidores de borracha natural no Brasil são a indústria de pneumáticos e de artefatos de borracha (como itens automotivos, luvas, artigos médicos, etc). Cerca de 80% da borracha produzida no país vai para fábricas de pneus, o que evidencia o vínculo estreito entre a heveicultura nacional e o setor automobilístico. A queda no custo da borracha importada pode ter um efeito dual sobre o mercado interno. Por um lado, representa uma redução de custos para as indústrias transformadoras nacionais – os fabricantes de pneus, por exemplo, podem adquirir matéria-prima mais barata no exterior, melhorando sua competitividade de custo em relação a produtos importados. Isso é especialmente relevante num momento em que os pneus estrangeiros ganharam participação no mercado brasileiro, atingindo 54% das vendas contra 46% dos pneus de fabricação local no primeiro semestre de 2024. Insumos mais baratos poderiam ajudar as fábricas locais a recuperar mercado, desde que repassem parte dessa redução de custo aos preços finais ou invistam em inovação/qualidade.

Por outro lado, borracha mais barata lá fora pressiona os preços pagos internamente e pode desestimular ainda mais a produção doméstica. Historicamente, as usinas de beneficiamento de borracha (que compram o látex coagulado dos produtores) calibram seus preços com base na chamada paridade de importação – ou seja, levam em conta quanto custaria importar borracha similar. Com a referência internacional em queda, os compradores internos tendem a oferecer menos pelo produto nacional. Foi justamente isso que se observou nos últimos anos: diante da concorrência de importados, usinas chegaram a suspender a compra de grandes volumes de borracha local (estocados) porque era mais barato obter o produto de fora. Em 2023, aproximadamente 120 mil toneladas de borracha dos produtores brasileiros deixaram de ser adquiridas pelas indústrias, formando excedentes encalhados. Essa situação culminou, pela primeira vez na história recente, em produtores incapazes de vender sua produção total, recorrendo à ajuda do governo para evitar prejuízos catastróficos. Assim, enquanto as indústrias podem celebrar a economia com matéria-prima, os produtores sentem o aperto – uma contradição que expõe a falta de integração na cadeia produtiva nacional.

Além disso, existe o risco de perda de autossuficiência de longo prazo. Se muitos heveicultores abandonarem a atividade, o Brasil ficará ainda mais dependente do suprimento externo. Isso traz preocupações estratégicas: quaisquer perturbações no mercado internacional (uma nova alta de preços, conflitos comerciais ou restrições ambientais no futuro) poderiam pegar o país sem base produtiva suficiente, forçando importações onerosas e prejudicando a balança comercial. Vale lembrar que a borracha natural é considerada uma matéria-prima estratégica – essencial não só para pneus, mas também para produtos médicos, equipamentos industriais, componentes de aparelhos, entre outros. Manter uma base produtiva doméstica saudável é, portanto, de interesse nacional para garantir segurança de abastecimento e aproveitar oportunidades em mercados de nicho (por exemplo, fornecimento de borracha certificada sustentável).

Políticas Governamentais e Medidas de Mitigação: Consciente dos desafios enfrentados pelo setor, o governo brasileiro e entidades de classe têm adotado algumas medidas emergenciais e estruturais. Em agosto de 2023, diante da “deterioração conjuntural” dos preços, o Ministério da Agricultura elevou a tarifa de importação da borracha natural de 3,2% para 10,8% (por um período de 24 meses). Esse aumento de imposto visou proteger os produtores locais, encarecendo a borracha importada e tornando a nacional relativamente mais competitiva no mercado interno. Segundo o ministério, os fornecedores domésticos haviam perdido competitividade devido ao forte declínio dos preços da borracha originária do Sudeste Asiático. Com a alíquota maior em vigor até 2025, espera-se dar um alívio temporário aos produtores nacionais, evitando uma queda ainda mais acentuada nos preços internos.

Entretanto, como grande parte da borracha entra no país “embutida” em produtos (caso dos pneus importados), o governo também avaliou ações nessa frente. No segundo semestre de 2024, discutiu-se no âmbito da CAMEX a possibilidade de aumentar temporariamente a tarifa de importação de pneus de 16% para 35%, medida pleiteada pela indústria nacional de pneumáticos. Além disso, entidades setoriais pedem o reforço de medidas antidumping e controles mais rígidos para evitar subfaturamento e triangulação nas importações de pneus. Essas iniciativas visam fechar brechas pelas quais produtos estrangeiros estariam entrando no mercado brasileiro a preços artificialmente baixos (por vezes inferiores ao preço internacional da borracha contida neles, algo insustentável sem práticas desleais).

No âmbito estadual e setorial, outras ações estão em curso. A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), em parceria com o Instituto de Economia Agrícola (IEA-SP), desenvolveu um Índice de Preço de Importação da Borracha Natural – lançado em 2020 – para acompanhar mensalmente o custo da borracha importada. Esse índice funciona como balizador de preços nas negociações entre produtores e indústrias, conferindo mais transparência e poder de barganha aos produtores nacionais (que passam a saber exatamente quanto vale o produto equivalente importado). Com a publicação regular desse indicador, busca-se corrigir distorções e evitar que o produtor nacional receba muito abaixo do preço de paridade de importação. Os resultados até agora foram positivos em termos de adesão do setor, e espera-se que a continuidade dessa ferramenta contribua para uma remuneração mais justa ao produtor, mesmo em momentos de volatilidade de mercado.

Adicionalmente, há esforços de pesquisa e desenvolvimento visando melhorar a produtividade e reduzir custos da heveicultura brasileira. Instituições de pesquisa estaduais e universidades (como a ESALQ/USP) vêm testando novas cultivares de seringueira mais produtivas e resistentes, capazes de reduzir o tempo até a primeira sangria e adaptar-se melhor a diferentes climas. Técnicas de manejo como sistemas de sangria menos intensivos (que economizam mão de obra) e consórcios agroflorestais (SAF) estão sendo promovidas para aumentar a eficiência e diversificar a renda do produtor. Tais medidas técnicas, embora não tenham efeito imediato nos preços, são importantes para mitigar os fatores estruturais que tornam a borracha brasileira mais cara – como menor produtividade por árvore, maior custo trabalhista e carga tributária. Em suma, a resposta doméstica passa por um conjunto de ações: barreiras comerciais de curto prazo para sobreviver à fase de preços baixos, e investimentos de longo prazo para ganhar competitividade intrínseca.

Perspectivas para o Setor: A curto prazo, a queda nos preços de importação da borracha natural traz alívio para alguns e apreensão para outros. Indústrias consumidoras devem aproveitar os custos menores – potencialmente melhorando margens ou repassando reduções ao consumidor final. Já os produtores domésticos tendem a manter postura cautelosa: muitos só continuarão na atividade se conseguirem cobrir os custos básicos. Caso os preços pagos ao produtor fiquem abaixo do mínimo necessário, poderemos assistir a novas reduções de área plantada em 2025, especialmente quando termina a safra e inicia o período de entressafra (momento em que normalmente os preços subiriam, mas se isso não ocorrer, será um sinal preocupante).

No cenário internacional, as projeções indicam que os preços da borracha podem permanecer moderados nos próximos meses. A Associação de Países Produtores (ANRPC) chegou a alertar para possíveis déficits globais persistentes até 2028 (na ordem de 600 a 800 mil toneladas anuais), o que em teoria sustentaria uma alta de preços no longo prazo. Porém, essa escassez projetada pode não se materializar se a produção continuar reagindo positivamente ao clima e se novos plantios ocorrerem estimulados pelos picos de preço de 2024. De fato, caso a recuperação produtiva observada no início de 2025 em países asiáticos se confirme, o mercado mundial pode manter-se bem suprido, limitando retomadas fortes de preço. Por outro lado, existe a incógnita da demanda chinesa pós-Ano Novo: uma vez passadas as festividades, a indústria da China costuma retomar ritmo normal, possivelmente repondo estoques. Se a economia chinesa acelerar ou lançar novos estímulos em 2025, isso pode elevar novamente as importações e dar um suporte aos preços internacionais. Também não se pode descartar impactos de fenômenos climáticos – por exemplo, um El Niño mais severo pode trazer secas à Ásia, prejudicando a produção de borracha (assim como ocorreu em anos passados), o que reverteria a tendência de baixa.

Para o Brasil, um eventual repique nos preços globais seria benéfico aos produtores, desde que ocorra dentro da vigência das medidas protetivas (como a tarifa de importação elevada). Isso permitiria aos seringueiros comercializar sua produção a preços mais remuneradores, recuperar parte das perdas recentes e voltar a investir nos seringais. No entanto, se os preços globais permanecerem deprimidos por muito tempo, o governo possivelmente terá de considerar medidas adicionais de apoio, como incentivos fiscais, linhas de crédito específicas ou até a criação de um preço mínimo de garantia para a borracha natural, evitando a quebra generalizada de produtores. Do lado industrial, o ideal seria aproveitar a fase de insumo barato para ganhar eficiência e mercado, mas sem sufocar de vez a cadeia agrícola local. A busca de um equilíbrio sustentável é o grande desafio: alinhar políticas comerciais, necessidades da indústria e sobrevivência dos produtores, de forma que o Brasil consiga se manter competitivo sem abrir mão de sua produção nacional. Em última instância, soluções cooperativas – como contratos de longo prazo entre fabricantes de pneus e heveicultores, com preços de referência justos – poderiam amenizar a volatilidade e dar estabilidade ao setor.

No panorama mais amplo, a queda recente nos preços da borracha natural expõe tanto as vulnerabilidades quanto as oportunidades. Ela evidencia como o Brasil está atrelado aos movimentos do mercado internacional, mas também ressalta a importância de investir em resiliência interna. Questões políticas (como tarifas e acordos comerciais) e ambientais (sustentabilidade da produção) se entrelaçam com as econômicas, exigindo respostas multidisciplinares. A adaptação tecnológica e gerencial dos produtores, aliada a políticas públicas bem calibradas, serão cruciais para atravessar este momento de preços em baixa e posicionar o setor de borracha natural em uma trajetória mais sólida nos próximos anos.

Relatório Técnico

A seguir são apresentados dados e indicadores que ilustram a variação recente dos preços da borracha natural, com comparações temporais e fatores explicativos:

Evolução Recente de Preços (Importação Brasil):

  • Nov/2024: ~R$ 16,00/kg (valor estimado a partir do índice CNA/IEA de Dezembro)
  • Dez/2024: R$ 17,60/kg (+10,07% em relação a Nov/24)
  • Jan/2025: R$ 16,24/kg (-7,7% em relação a Dez/24)

Após um pico em dezembro de 2024 – quando o preço de referência da borracha importada atingiu R$17,60/kg – observou-se uma correção significativa em janeiro de 2025, retornando ao patamar de R$16,24/kg, equivalente ao nível de aproximadamente dois meses antes. Essa oscilação demonstra a volatilidade do mercado no curto prazo, influenciado por fatores sazonais e conjunturais (como corrida de compras no final do ano seguida de ajustes no início do ano). Apesar da queda mensal de 7,7%, o preço de jan/2025 ainda permaneceu 4% acima do valor de nov/2024, indicando que, em termos líquidos, boa parte da alta de fim de ano foi sustentada. Em comparação com o início do ano anterior, há indícios de que os preços estavam em patamar mais elevado – por exemplo, em janeiro de 2021 o mesmo indicador registrava R$10,42/kg, evidenciando uma tendência de alta plurianual até 2024, seguida pela recente inflexão de baixa.

Fatores que Contribuíram para a Queda em Jan/2025: De acordo com análise da CNA/IEA, vários componentes da cadeia de importação apresentaram variações favoráveis à redução de custos em janeiro, explicando a queda do índice:

  • Cotação internacional (Bolsa de Cingapura): ↓ 4,93% – recuo nos preços futuros da borracha natural no mercado asiático, diminuindo o custo-base do produto.
  • Taxa de câmbio (US$ -> R$): ↓ 1,23% – desvalorização do dólar frente ao real, tornando mais barato, em moeda local, importar a mesma quantidade de borracha.
  • Frete internacional: ↓ 21,91% – forte queda no custo do transporte marítimo internacional (frete oceânico), decorrente de maior oferta de navios ou menor demanda sazonal de embarques.
  • Frete interno (nacional): estável – os custos de transporte interno no Brasil não tiveram variação significativa no mês, não impactando nem para cima nem para baixo o preço final.
  • Custos financeiros: ↓ 0,93% – mesmo com alta de juros, os custos financeiros médios ligados à importação (ex: crédito, seguros) caíram ligeiramente, possivelmente refletindo menor prazo médio ou menor risco cambial no período.

Esses fatores combinados resultaram em uma redução geral de 7,73% no índice de preço de importação da borracha natural em janeiro. Nota-se que a diminuição expressiva no frete internacional teve peso destacado, aliviando o componente logístico do custo. A leve apreciação do real também contribuiu para baratear importações – em dezembro de 2024, o dólar médio girou em torno de R$5,99, subindo para cerca de R$6,10; já em janeiro, recuou para a casa de R$6,02 (valores ilustrativos), refletindo-se diretamente no cálculo do índice.

Comparativo Histórico: O gráfico de evolução de preços (não exibido aqui) indicaria a tendência dos últimos anos. De modo resumido, a borracha natural apresentou valores ascendentemente moderados entre 2020 e 2022 e forte alta ao longo de 2023 e meados de 2024, atingindo picos no segundo semestre de 2024. Por exemplo, o preço médio internacional chegou a ultrapassar US$2,5/kg na segunda metade de 2024, influenciado pelos choques de oferta já discutidos. No mercado brasileiro, influências cambiais também pesaram: a desvalorização do real em 2020-21 elevou o preço interno em R$ mesmo quando o valor em dólares não subia. Já em 2022 e início de 2023, houve relativa estabilidade. O salto mais pronunciado ocorreu a partir do terceiro trimestre de 2023, acompanhando a trajetória global de alta. Em seguida, no fim de 2024 e início de 2025, observa-se a inflexão baixista.

Para contextualizar: em janeiro de 2021 o índice CNA/IEA registrava R$10,42/kg; três anos depois, janeiro de 2024 (antes do pico histórico) já se situava possivelmente acima de R$14/kg (estimativa, dado que julho/2024 atingiu R$16,55/kg em média FOB exportação do Vietnã, equivalente a valor CIF similar no Brasil). Portanto, mesmo com a recente queda para R$16,24, o preço atual ainda é significativamente maior do que há alguns anos, refletindo tanto a inflação de custos como os efeitos de demanda reprimida pós-pandemia e oferta limitada em alguns momentos.

Projeções para os Próximos Meses: Analistas de mercado apontam para um primeiro semestre de 2025 de preços relativamente contidos em comparação aos picos de 2024. A abundância de oferta decorrente do clima favorável e estoques elevados deve continuar exercendo pressão de baixa no curto prazo. A demanda global, embora crescente de forma geral, pode não acelerar imediatamente devido a incertezas econômicas (especialmente se a economia chinesa demorar a engrenar em 2025 ou se houver novas tensões comerciais). Projeções de consultorias internacionais sugerem preços médios para a borracha natural na faixa de US$1,65 a US$1,75/kg ao longo de 2025-2027, abaixo da média observada em 2024, indicando expectativas de mercado mais frouxo. Por outro lado, entidades como o Banco Mundial projetam uma leve recuperação nos próximos dois anos, após a queda recente, caso haja retomada industrial global – um incremento modesto de cerca de 3% nos preços até 2026.

Em termos sazonais, é comum que os preços tenham alguma alta entre o final do primeiro trimestre e o segundo trimestre do ano, pois a produção asiática diminui durante a entressafra (início da primavera/local). Em 2025, espera-se que entre março e maio ocorra essa redução cíclica de oferta, o que pode dar sustentação ou até elevar os preços temporariamente, sobretudo se coincidir com um movimento de recomposição de estoques por parte dos compradores (China, EUA, Europa). Portanto, um cenário provável é de estabilidade ou ligeira queda nos meses de verão (jan-fev), seguido de uma possível alta moderada na primavera (mar-abr-mai), e então nova estabilização no segundo semestre, a depender das condições climáticas do outono asiático e do ritmo da economia global.

Em suma, a tendência para 2025 é de preços mais baixos em relação a 2024, porém com volatilidade inerente a esse mercado. Os stakeholders do setor – produtores, indústrias e formuladores de políticas – devem ficar atentos aos indicadores-chave: níveis de estoque na Ásia (especialmente China), evolução das políticas comerciais entre potências, comportamento do preço do petróleo (que afeta o custo do sintético) e fenômenos climáticos em regiões produtoras. Esses fatores irão orientar os rumos do mercado de borracha natural e, consequentemente, ditar se a atual fase de alívio nos preços será passageira ou duradoura.