Bioeconomia indígena e rastreabilidade: o caso Mercur/Origens Brasil na borracha natural
Conheça como a comunidade indígena Gavião em Rondônia, em parceria com a Mercur e a rede Origens Brasil, está liderando a bioeconomia da borracha natural com rastreabilidade digital, pagamentos por serviços ambientais e valorização da floresta.

Bioeconomia indígena e rastreabilidade: o caso Mercur/Origens Brasil na borracha natural
A ascensão da bioeconomia indígena
Nos últimos anos, a discussão sobre ESG (Environmental, Social & Governance) ganhou força no setor da borracha natural. A busca por produtos sustentáveis vai além das plantações comerciais: iniciativas de bioeconomia que valorizam o conhecimento tradicional e protegem a floresta tornam‑se centrais para investidores e consumidores. Em um mercado onde os preços despencam e as importações pressionam os produtores brasileiros, encontrar modelos de negócio que remunerem bem e conservem a Amazônia é um caminho estratégico.
Bioeconomia, nesse contexto, significa usar recursos renováveis de forma responsável, gerando valor sem destruir a floresta. Comunidades indígenas e ribeirinhas, guardiãs de saberes ancestrais, têm papel vital na exploração sustentável da borracha nativa (Hevea brasiliensis) há mais de um século. Ao alinhar essas práticas a tecnologias de rastreabilidade e a acordos de longo prazo, o Brasil pode construir uma cadeia de suprimentos diferenciada e competitiva.
O projeto Gavião-Mercur: ancestralidade e inovação
Na terra indígena Igarapé Lourdes, em Rondônia, a etnia Gavião retomou a extração da seringa nativa em parceria com a empresa de produtos médicos e escolares Mercur e com a rede Origens Brasil. A iniciativa busca agregar valor ao látex de floresta, resgatando o modo de vida tradicional e criando uma cadeia transparente e justa.
Segundo reportagem do portal Mongabay, cada produto derivado da borracha recebe um QR code, permitindo rastrear sua origem e garantir que o material veio de árvores nativas e foi extraído sem desmatamento. O pagamento por serviços ambientais chega a 15 reais por quilo de borracha, valor que triplica a renda dos seringueiros em comparação com mercados tradicionais. Essa remuneração inclui não apenas o látex, mas também a conservação de trilhas, o monitoramento de desmatamento e a proteção de castanheiras e outras espécies.
A Mercur, reconhecida por investir em inovação e sustentabilidade, compromete‑se com contratos de longo prazo, garantindo previsibilidade aos produtores. A rede Origens Brasil atua como articuladora, certificando a procedência do produto e conectando a comunidade indígena a consumidores conscientes. O resultado é uma cadeia curta, transparente e com alto valor agregado — um exemplo de como a bioeconomia pode funcionar na prática.
Por que a rastreabilidade importa
Com a União Europeia avançando em regulações contra o desmatamento que exigem comprovação de origem para commodities como a borracha, iniciativas de rastreabilidade digital tornam‑se cada vez mais estratégicas. O projeto Gavião-Mercur utiliza QR codes e documentação detalhada para assegurar que cada gota de látex possa ser rastreada da árvore ao produto final. Essa transparência atende às exigências de mercados internacionais e se alinha a projetos como o RenovaBor (PL 3664/2025), que busca fomentar a produção eficiente de borracha natural no Brasil, promovendo créditos de carbono e incentivos à indústria nacional.
Grandes fabricantes globais também estão investindo em plataformas de rastreabilidade. A Continental, por exemplo, expandiu com a GIZ um projeto na Indonésia que treina pequenos agricultores e desenvolve sistemas digitais para acompanhar o látex da floresta à fábrica, aumentando a renda em 27 %. Para produtores brasileiros, alinhar‑se a padrões internacionais pode abrir portas em um mercado que valoriza sustentabilidade e transparência.
Benefícios socioeconômicos e ambientais
Além da remuneração superior, a parceria com Mercur e Origens Brasil oferece capacitação, assistência técnica e fortalecimento cultural. As famílias Gavião recebem treinamento para manejar as seringueiras de forma sustentável, coletar o látex com eficiência e manter a floresta em pé. O envolvimento das mulheres e jovens na cadeia produtiva gera renda diversificada e reforça a coesão comunitária.
Ao valorizar a floresta e remunerar serviços ambientais, o projeto contribui para combater o desmatamento e as queimadas. Em 2024, focos de incêndio e estiagens severas afetaram diversas regiões da Amazônia, ameaçando a produção de borracha. Sistemas de pagamento por conservação ajudam a financiar vigilância e combate ao fogo, além de criar incentivos econômicos para manter as árvores vivas. Conforme relatado pela Mongabay, o incentivo financeiro e a rastreabilidade aumentam o engajamento da comunidade em proteger o território.
Desafios e perspectivas de expansão
Embora o case Gavião seja inspirador, a replicação em outras regiões requer planejamento. Estradas precárias, dificuldade de acesso ao mercado e assistência técnica limitada ainda são desafios. Necessita‑se de política pública que incentive a bioeconomia, como linhas de crédito específicas, investimentos em infraestrutura e apoio à organização comunitária.
Outra questão é a escalabilidade: projetos de bioeconomia precisam equilibrar qualidade e quantidade. O látex de floresta possui características diferentes do látex de plantações, sendo mais viscoso e imprevisível. Empresas interessadas devem ajustar processos industriais e garantir previsibilidade de compra para comunidades, evitando exploração predatória.
Ainda assim, o cenário é promissor. A demanda global por materiais sustentáveis está crescendo. Fabricantes de pneus e bens de consumo buscam reduzir sua pegada de carbono, incorporando borracha natural de origem responsável. A utilização de materiais renováveis e reciclados em pneus, como o óleo de base circular e sílica de casca de arroz, já é uma realidade em empresas como a Continental. A tendência indica que o mercado valorizará cada vez mais fornecedores com certificação ambiental e social.
Conclusão: lições para a cadeia da borracha natural
O projeto liderado pelos Gavião, pela Mercur e pela rede Origens Brasil demonstra que é possível aliar tradição, inovação e rentabilidade na cadeia da borracha natural. Ao adotar rastreabilidade digital, pagamentos por serviços ambientais e contratos de longo prazo, a iniciativa cria valor para a comunidade e para o comprador, além de preservar a floresta e gerar reputação positiva.
Para os produtores brasileiros que enfrentam crises de preço e competição de importados, a bioeconomia indígena mostra um caminho alternativo: diversificar mercados, apostar em nichos de alto valor e construir parcerias sustentáveis. Investidores e empresários devem olhar para esse modelo e adaptá‑lo às suas realidades, fortalecendo a imagem do Brasil como fornecedor de borracha natural premium. O futuro da heveicultura passa pela inovação e pela responsabilidade socioambiental — e a floresta em pé é o ativo mais valioso dessa equação.
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