Como se preparar para a EUDR: guia para produtores brasileiros de borracha natural

Regulamento europeu exige rastreabilidade e produção sem desmatamento a partir de 30 de dezembro de 2025

O que é a EUDR e por que importa para a heveicultura

A União Europeia (UE) adotou em junho de 2023 o Regulamento 2023/1115, conhecido como EU Deforestation Regulation (EUDR), que visa garantir que sete commodities – entre elas a borracha natural – sejam comercializadas sem causar desmatamento e degradação florestal. A norma entra em vigor em 30 de dezembro de 2025 para a maioria das empresas (30 de junho de 2026 para micro e pequenas), e exige que operadores e comerciantes coletem informações detalhadas sobre cada lote: descrição e quantidade do produto, país de produção, geolocalização das áreas de cultivo, dados de fornecedores e compradores, bem como provas de conformidade legal.

Além de recolher dados, as empresas deverão avaliar o risco de que o produto esteja associado ao desmatamento – considerando a situação da cadeia de suprimentos e a possibilidade de mistura com produtos de origem desconhecida – e, quando o risco não for nulo, adotar medidas de mitigação, como auditorias independentes ou exclusão de fornecedores não conformes. Somente produtos com risco residual nulo ou desprezível poderão ser colocados no mercado europeu. Para isso, será obrigatório apresentar uma declaração de diligência (DDS) no sistema de informação da UE e manter os registros por pelo menos cinco anos.

A norma diferencia países de origem em níveis de risco (baixo, padrão e alto). Em países de risco baixo, como aqueles com desmatamento controlado, bastará um devido zelo simplificado, mas países de risco alto exigirão verificações mais extensas e frequentes. Em caso de descumprimento, as sanções podem incluir multas de pelo menos 4 % do faturamento anual na UE, confisco de mercadorias e até proibição temporária de exportar. A recente orientação (Comunicação C/2025/4524) da Comissão Europeia, publicada em agosto de 2025, detalha essas exigências e reforça que certificações voluntárias podem complementar, mas não substituem, a devida diligência.

Impacto e oportunidades para o produtor brasileiro

A UE é um dos principais destinos para pneus e artefatos de borracha fabricados no Brasil, e a borracha natural brasileira é amplamente utilizada pela indústria nacional de pneus. O setor já enfrenta volatilidade: em agosto de 2025, o Instituto de Economia Agrícola (IEA) fixou o preço‑referência do TSR‑20 em R$ 12,71/kg, queda de 3,4 % em relação a julho, refletindo recuo nos contratos futuros, apreciação do real e redução dos fretes.

Apesar dessa correção, a Associação dos Países Produtores de Borracha Natural (ANRPC) projeta que a produção global crescerá apenas 0,3 %, enquanto a demanda deve avançar 1,8 %, resultando em déficit de cerca de 700 mil toneladas. Tailândia e outros países asiáticos enfrentam doenças e envelhecimento de seringais, ao passo que Indonésia e Vietnã reduzem plantios. Este desequilíbrio estrutural mantém os preços em patamar relativamente elevado no médio prazo.

Para os produtores brasileiros, a EUDR representa desafio e oportunidade:

  • Acesso a mercados premium — Compradores europeus exigirão borracha rastreável e livre de desmatamento. Quem investir em geolocalização, coleta de dados e boas práticas ambientais poderá vender com prêmios e fidelizar clientes.
  • Sinergia com políticas nacionais — O projeto de lei RenovaBor reconhece a borracha como insumo estratégico e incentiva rastreabilidade, selos de sustentabilidade e participação no mercado de créditos de carbono. A integração dessas políticas facilitará a adequação à EUDR e agregará valor.
  • Diluição de riscos – Com 60 % do consumo nacional ainda proveniente de importações, a organização da cadeia e a transparência são essenciais para evitar sanções e garantir estabilidade. O prolongamento da tarifa de 10,8 % sobre as importações até 2027, decidido pela Camex, valoriza a produção doméstica e cria margem para investimentos em tecnologia e sustentabilidade.

Como cumprir a EUDR: passos práticos

  1. Mapeie suas áreas e registre geolocalizações. Utilize ferramentas de GPS ou aplicativos de gestão como o Seringueiro para registrar coordenadas de cada gleba e associá-las a lotes de produção. Esse dado será indispensável na DDS.
  2. Construa um banco de dados de produção. Mantenha registros sobre volume produzido, clones utilizados, insumos aplicados, datas de sangria e informações de compra de coágulo. Para produtores que compram borracha de terceiros, verifique a origem e peça garantias de conformidade.
  3. Avalie riscos de desmatamento e legalidade. Consulte mapas de desmatamento e cadastros ambientais para assegurar que suas plantações não ocupam áreas desmatadas após 31 de dezembro de 2020. Caso haja risco, adote medidas de mitigação: suspender compras de fornecedores em zonas críticas, implementar auditorias externas ou aderir a programas de recuperação florestal.
  4. Implemente um sistema interno de diligência. Crie políticas e procedimentos para checar documentação de fornecedores, monitorar geolocalizações, avaliar riscos e registrar ações corretivas. O sistema deve incluir treinamento de pessoal em compras, sustentabilidade e logística, além de revisão anual.
  5. Ajuste contratos e parcerias. Insira cláusulas que exijam conformidade com a EUDR de fornecedores e clientes. Estabeleça acordos de cooperação com cooperativas, associações e consultorias para compartilhar custos de certificação e auditoria.
  6. Utilize certificações e tecnologias de rastreabilidade. Certificações de sustentabilidade complementam a diligência, desde que garantam segregação física dos produtos. Aplicativos como o Seringueiro permitem registrar e exportar dados de geolocalização, produção e contratos digitais, facilitando a preparação da DDS.
  7. Mantenha-se informado. Acompanhe atualizações regulamentares da UE e do governo brasileiro, inclusive possíveis mudanças nos prazos da EUDR. Participe de webinars, seminários e grupos de trabalho do setor para trocar experiências.

Perspectivas de mercado e considerações finais

Mesmo com a correção recente no preço de referência, os fundamentos do mercado de borracha natural continuam robustos: a produção global caminha para um quinto ano de déficit, enquanto o consumo, impulsionado pelos setores automobilístico, de construção e de bens de consumo, permanece em alta. O IEA prevê possibilidade de recuperação dos preços no último trimestre dependendo da demanda asiática e da política cambial.

A EUDR impõe um novo padrão de conformidade ambiental que, embora represente custos iniciais, pode transformar a heveicultura brasileira em referência mundial de sustentabilidade e rastreabilidade. Ao cumprir a devida diligência, os produtores reduzirão riscos de sanções, acessarão mercados premium e aproveitarão políticas nacionais como o RenovaBor e mecanismos de créditos de carbono.

O momento de agir é agora. Com pouco mais de três meses para a entrada em vigor da EUDR, os produtores que se anteciparem ganharão vantagem competitiva. Investir em geolocalização, registro digital e gestão de riscos não é apenas uma exigência regulatória: é uma estratégia para fortalecer o agronegócio da borracha no Brasil e ampliar sua participação no mercado global.