Conflito Tailândia‑Camboja: impacto na borracha natural e oportunidades para o Brasil

Análise do conflito fronteiriço Tailândia‑Camboja e os impactos na cadeia global de borracha natural, destacando riscos e oportunidades para produtores brasileiros.

Conflito Tailândia‑Camboja: impacto na borracha natural e oportunidades para o Brasil

Contexto geopolítico

Desde maio de 2025, Tailândia e Camboja voltaram a se enfrentar em áreas mal demarcadas da fronteira de 817 km. O estopim foi a morte de um soldado cambojano em 28 de maio, seguida de explosões de minas que mutilaram soldados tailandeses. A tensão evoluiu para confrontos de artilharia e ataques aéreos. Em julho, combates concentrados nas proximidades dos templos Prasat Ta Moan Thom e Ta Krabey envolveram drones e seis jatos F-16, segundo o exército tailandês. Bangkok acusa as tropas cambojanas de usarem foguetes contra comunidades locais, enquanto Phnom Penh diz que apenas respondeu a ataques e acusa a Tailândia de violar sua soberania.

As cifras humanitárias são graves. Em 24 de julho, as autoridades tailandesas relataram que pelo menos 32 pessoas morreram e mais de 130 ficaram feridas. No dia seguinte, o Ministério da Saúde da Tailândia informou 19 mortes (principalmente civis) e 13 fatalidades no lado cambojano. Em 26 de julho, a Reuters noticiou que mais de 30 pessoas já haviam morrido e mais de 130 mil estavam deslocadas. As evacuações ultrapassaram 138 mil tailandeses removidos para 300 abrigos e mais de 20 mil cambojanos deslocados na província de Preah Vihear. O governo tailandês decretou lei marcial em oito distritos, expulsou diplomatas cambojanos e fechou todas as passagens de fronteira, enquanto os combates espalharam‑se para a província costeira de Trat.

Além das baixas, o embate gera atritos econômicos. No auge da disputa, Camboja proibiu importações de frutas e vegetais tailandeses e retirou novelas e filmes tailandeses de suas emissoras. As duas nações reduziram a permanência de vistos e fecharam postos de controle, cortando fluxo de bens, turistas e trabalhadores transfronteiriços. A Federação das Indústrias Tailandesas (FTI) estima que o conflito interrompe negócios de 500 milhões de baht por dia, sendo 400 milhões de baht em exportações tailandesas e 100 milhões em importações cambojanas; com isso, o comércio precisa ser desviado via mar, elevando os custos logísticos. Em 2024 o comércio bilateral somou 366,73 bilhões de baht, dos quais o comércio de fronteira representou 181,32 bilhões – nível que agora está em risco.

Relevância da borracha natural na região

A Tailândia é o maior produtor e exportador mundial de borracha natural. Em 2024 produziu 4,79 milhões de toneladas e de janeiro a abril de 2025 exportou US$ 2,008 bilhões em borracha, alta de 23,2% em relação a 2024. A Associação dos Países Produtores de Borracha Natural (ANRPC) projeta produção global de 14,9 milhões de toneladas em 2025 (crescimento de 0,3%) e consumo de 15,6 milhões de toneladas (alta de 1,8%), resultando em déficit de 0,7 milhão de toneladas. A combinação de anos de remuneração insuficiente, replantio limitado e deslocamento de seringais para culturas como palma e café constrange a oferta, mantendo cotações em patamares elevados.

Camboja possui produção bem menor, mas crescente. O país tem cerca de 425 mil hectares de plantações, com 330 mil hectares já maduros. No primeiro semestre de 2025, exportou 112 595 toneladas de latex e madeira de borracha, arrecadando US$ 208 milhões; o volume caiu 20% em relação a 2024, porém o preço médio subiu para US$ 1 853 por tonelada. O consumo interno cambojano cresceu 92% no mesmo período. Ou seja, embora a Tailândia concentre a maior parte do mercado, qualquer interrupção em seus portos ou estradas repercute globalmente; e os ataques no nordeste tailandês e norte cambojano ocorrem justamente em áreas com seringais.

Cenários para o mercado global

Cenário 1 – Conflito prolongado

Se os confrontos se prolongarem, o fechamento de postos de fronteira, a evacuação de agricultores e o deslocamento de tropas poderão interromper a colheita e o transporte de latex. A interrupção de exportações tailandesas de 400 milhões de baht/dia e importações cambojanas de 100 milhões, conforme estimativas da FTI, reduzirá a oferta mundial num momento de déficit estrutural. O desvio das cargas para rotas marítimas aumentará fretes e prazos, pressionando ainda mais os preços internacionais. Para compradores de grandes volumes (indústria de pneus e manufaturas), o custo marginal pode subir rapidamente. Investidores já precificam essa possibilidade: o mercado financeiro observa um salto de 30% nos custos de transporte regional, segundo análise da consultoria Ainvest. Uma escalada militar também poderia gerar sanções de parceiros comerciais ou afetar seguros marítimos, ampliando a volatilidade.

Cenário 2 – Cessar‑fogo e retomada

Por outro lado, se as negociações mediadas pelos Estados Unidos e pela Malásia resultarem em cessar‑fogo – hipótese ventilada após declarações de Donald Trump de que ambas as partes concordaram em dialogar –, a suspensão das hostilidades poderia reabrir corredores terrestres. Ainda assim, a produção tailandesa deve crescer apenas 1,2% em 2025, enquanto a de Indonésia e Vietnã tende a recuar, mantendo o déficit global. Ou seja, mesmo com a normalização logística, os fundamentos continuam sustentando preços elevados. Operadores devem observar a reunião da Comissão Conjunta de Fronteira marcada para setembro e as condições de monções para o restante da safra.

Oportunidades e riscos para o produtor brasileiro

O Brasil é o maior produtor de borracha natural da América Latina, com produção estimada em 463 mil toneladas na safra 2023/2024. O estado de São Paulo responde por cerca de 65% do total, devendo colher 266 mil toneladas em 2024/2025; contudo, eventos climáticos e falta de mão de obra podem reduzir a safra em até 20%. Apesar do volume, o país ainda importa de 40% a 50% da borracha que consome, sendo sensível às oscilações internacionais. O índice de referência de importação calculado pela CNA/IEA oscilou entre R$ 13,21 e R$ 13,70 por quilo no segundo trimestre; a alta de 3,7% em maio decorreu de fretes marítimos 106,7% mais caros e da tensão geopolítica.

Para o produtor brasileiro, o conflito asiático combina riscos e oportunidades:

  • Valorização de preços – A continuidade da crise reforçará o déficit global projetado de 0,7 milhão de toneladas. A redução de oferta tailandesa tende a sustentar cotações em Cingapura, favorecendo exportadores e elevando o preço interno de importação. Há espaço para capturar margens adicionais, especialmente no segmento de pneus e látex para indústria.
  • Competitividade logística – O redirecionamento de fluxos asiáticos pode abrir nichos em mercados que dependem da Tailândia, como China, Índia e Malásia. Entretanto, o Brasil enfrenta custos logísticos internos altos e variação cambial. Investir em parcerias de exportação, contratos de hedge cambial e certificações de sustentabilidade pode ser decisivo.
  • Substituição de importações – Com 40‑50% de dependência externa, ampliar a produção nacional é uma agenda estratégica. Inovações em manejo, uso de clones mais produtivos, digitalização da colheita e rastreabilidade georreferenciada – como prometido pelo aplicativo Seringueiro – aumentam a eficiência e permitem negociar prêmios de sustentabilidade.
  • Gestão de risco – A volatilidade cambial e o custo de frete exigem gestão proativa. Contratos a termo e derivativos podem proteger margens; mecanismos de seguro rural e acesso a crédito devem ser articulados com políticas como a Lei dos Bioinsumos, que está em fase de regulamentação.

Conclusão

O conflito entre Tailândia e Camboja é mais do que uma disputa territorial; ele expõe a fragilidade das cadeias globais de borracha natural. Com mortos, deslocados e fronteiras fechadas, o confronto ameça a oferta de um insumo já deficitário e amplia a volatilidade de preços. Para os produtores brasileiros, a leitura é dupla: há riscos de alta nos custos de importação e fretes, mas também uma oportunidade rara de ganho de competitividade e substituição de importações. Em vez de esperar passivamente, o setor deve adotar uma postura visionária, investir em produtividade, em tecnologias de gestão e rastreabilidade e ampliar sua presença nos mercados internacionais. A conjuntura exige pensamento estratégico e rápida execução – quem agir agora poderá colher frutos quando a poeira baixar.