Déficit global de borracha natural em 2025: gestão de riscos e oportunidades para o Brasil

Produção mundial de borracha segue abaixo da demanda e os gargalos climáticos e logísticos agravam o déficit. O setor brasileiro pode se reposicionar, aproveitando a conjuntura global para investir em produtividade, inovação e captura de mercado premium.

O mercado global de borracha natural entrou numa fase de escassez estrutural. Projeções da Associação de Países Produtores de Borracha Natural (ANRPC) indicam que a oferta mundial alcançará apenas 14,9 milhões de toneladas em 2025 — expansão irrisória de 0,3% — enquanto a demanda deve saltar 1,8%, para 15,6 milhões de toneladas[1]. Isso significa o quinto ano consecutivo em que a produção não acompanhará o consumo, sustentando preços elevados e ampliando a volatilidade no mercado global.

A causa raiz desse gap não é apenas econômica, mas climática e estrutural. O fenômeno El Niño de 2024/25 trouxe temperaturas recordes e chuvas abaixo da média no Sudeste Asiático, região responsável por 90% do suprimento mundial. Estudos apontam que o calor extremo reduziu a absorção de água pelas seringueiras e agravou surtos de doenças[2]. Desde 2019, a síndrome de queda de folhas provocada por fungos já defoliou cerca de 437 mil hectares de seringais em Indonésia, Malásia, Tailândia e Vietnã[3], reduzindo o rendimento e forçando a colheita noturna para evitar o calor. Além disso, anos de preços deprimidos desestimularam novos plantios e muitos produtores migraram para culturas mais rentáveis, como palma de óleo, o que compromete a renovação de áreas[4].

A escassez ganhou contornos logísticos em 2024, quando ataques a embarcações no Mar Vermelho e restrições no Canal do Panamá levaram grandes armadores — Maersk, MSC, Hapag‑Lloyd, CMA CGM, ZIM e ONE — a suspender rotas e desviar navios pelo Cabo da Boa Esperança[5]. Essa reprogramação elevou o frete, quadruplicou tarifas de contêineres e adicionou até duas semanas aos prazos de entrega[5]. O blog do FMI mostra que, nos dois primeiros meses de 2024, o tráfego pelo Canal de Suez despencou 50% e as passagens pelo Panamá encolheram 32%, distorcendo indicadores de comércio[6]. O resultado imediato foi um salto nos preços da borracha, que atingiram máximas de 13 anos no final de 2024 e voltaram a subir em 2025[1].

Os setores a jusante estão em alerta. Estima‑se que cerca de 40 mil produtos usam borracha natural como insumo, e a indústria automotiva responde pelo grosso do consumo. A fabricação de um veículo utiliza aproximadamente 65,7 kg de borracha, e nos Estados Unidos 80% do consumo é destinado a pneus[7]. Empresas de dispositivos médicos, que usam borracha em luvas, cateteres e próteses, também já alertam para riscos de abastecimento[7]. Com gargalos logísticos, os estoques se reduzem, e fabricantes de pneus asiáticos relatam queda de até 50% na produção devido à falta de matéria‑prima[7].

No Brasil, a situação é paradoxal. A seringueira (Hevea brasiliensis) é nativa do país, mas a cadeia nunca recuperou a liderança perdida após a exportação clandestina de sementes para a Ásia no século XIX. Hoje o país importa aproximadamente 60% da borracha que consome, e especialistas calculam que seriam necessários pelo menos 300 mil hectares adicionais de seringais para atingir a autossuficiência[8]. Mesmo assim, há sinais de reação. O Instituto de Economia Agrícola de São Paulo projeta que a safra 2024/25 no estado — responsável por 65% da produção nacional — pode alcançar 266 mil toneladas, um aumento de 8,8% em relação ao ciclo anterior[9]. O preço médio recebido pelo produtor paulista em fevereiro de 2025 atingiu R$ 6,65 por quilo de borracha coagulada, quase 118% acima do registrado em 2024[9], garantindo rentabilidade após anos de margens apertadas. Entretanto, a Associação Paulista de Produtores (APARBO) alerta que secas, queimadas e falta de mão de obra podem reduzir a colheita em até 20% e que a área plantada caiu 11,2% nos últimos dois anos[9].

Para empresas brasileiras, essa conjuntura apresenta riscos e oportunidades. Do lado dos riscos, o clima extremo e a doença de queda de folhas exigem reforço em manejo fitossanitário, adoção de clones tolerantes e infraestrutura de irrigação. Do lado logístico, é preciso desenhar estratégias de supply chain resiliente, diversificando portos de saída e combinando contratos spot e a prazo para mitigar oscilações de frete. O uso de ferramentas de previsão climática, rastreabilidade via coordenadas geográficas e gestão de contratos digitais — já disponíveis em plataformas inovadoras do setor — torna‑se vantagem competitiva. Ao mesmo tempo, a conjuntura abre uma janela para reposicionamento estratégico. A demanda internacional valoriza borracha certificada com rastreabilidade, reduzida pegada de carbono e compliance socioambiental. Produtores capazes de entregar qualidade premium, com consistência e documentação, podem capturar prêmios de preço nos segmentos automotivo, médico e de eletrônicos.

A crise de oferta global não é apenas ameaça; é também catalisador para mudanças estruturais. O Brasil possui base genética, clima diversificado e tecnologia emergente para reduzir a dependência externa e converter‑se em fornecedor relevante. No curto prazo, a escassez global exige gestão de riscos robusta e visão de longo prazo. No médio prazo, investimentos em pesquisa, mecanização e digitalização podem ampliar produtividade e sustentabilidade. Para os empresários da heveicultura, o momento exige pensamento estratégico, visão sistêmica e ousadia para sair da zona de conforto. O déficit mundial de borracha é uma realidade, mas também uma oportunidade para o país retomar protagonismo numa cadeia crítica para mobilidade e saúde.

Referências:
[1] Reuters – “Global rubber shortfall looms in 2025 on stagnant output, association says”, 4 de março de 2025[1].
[2] Everstream Analytics – “Natural rubber shortages intensify” (seção sobre El Niño e redução de produção)[2].
[3] Everstream Analytics – “Natural rubber shortages intensify” (doença de queda de folhas e 437 mil ha afetados)[3].
[4] Reuters – “Global rubber shortfall looms in 2025 on stagnant output, association says” (impacto de preços baixos e migração para outras culturas)[4].
[5] Resilinc – “Top 8 Industries Affected by the Red Sea Crisis in January 2024” (suspensão de rotas e atrasos)[5].
[6] IMF – “Red Sea Attacks Disrupt Global Trade”, 7 de março de 2024[6].
[7] Everstream Analytics – “Natural rubber shortages intensify” (consumo automotivo e médico, 65,7 kg por veículo, 80% do consumo dos EUA vai para pneus)[7].
[8] AgriBrasilis – “Rubber Sector in Brazil Is Struggling”, 10 de abril de 2025[8].
[9] ProcurementResource.com – “Brazil’s natural rubber production is set to rise considerably in the marketing year 2024/2025”, 8 de julho de 2025[9].