Faesp pede manutenção da tarifa de importação de 10,8% para borracha natural

Faesp solicita à Camex a manutenção da tarifa de 10,8% sobre a borracha natural para conter a entrada de insumos asiáticos e proteger seringais brasileiros.

Contexto e motivos para o pleito

A tarifa de 10,8 % sobre a borracha natural importada no Brasil expiraria em agosto de 2025. A Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de São Paulo (Faesp) peticionou à Camex a manutenção dessa alíquota e alertou que, sem ela, a alíquota voltaria ao patamar de 3,2 % e haveria um aumento de importação de borracha asiática mais barata. Para a entidade, reduzir a tarifa acentuaria a destruição de capital no campo. Desde 2022 o setor opera com margens negativas e descapitalização, o que levou ao abandono de seringais, paralisação de sangrias e perda de mão de obra especializada.

O Brasil produz cerca de 463,4 mil toneladas de borracha natural, aproximadamente metade do consumo nacional, distribuídas em 13.871 propriedades rurais, conforme dados consolidados por Faesp. Essa produção gera renda para milhares de extrativistas e agricultores familiares e ainda é um insumo essencial para pneus, eletrodomésticos e dispositivos médicos. Na ausência de proteção tarifária, a entrada de borracha asiática com custos menores poderia derrubar os preços internos, desestimular investimentos e forçar ainda mais produtores a abandonar seus seringais. Por isso, a Faesp argumenta que não há espaço para reduzir a tarifa de importação e que a prioridade deve ser fortalecer a cadeia produtiva.

Pontos centrais do PL 3664/2025 (RenovaBor)

Para além da disputa sobre tarifas, o setor aguarda a tramitação do Projeto de Lei nº 3664/2025, de autoria da deputada Marussa Boldrin. O projeto cria a Política Nacional de Produção Eficiente da Borracha Natural (RenovaBor). De acordo com a ficha de tramitação, a proposta reconhece o látex como ativo estratégico e visa:

  • Valorizar o ativo – o PL enquadra a borracha entre os ativos de interesse nacional, aproximando‑a de cadeias sustentáveis;
  • Fomentar produção sustentável – a indexação do projeto menciona produção sustentável, indústria nacional e mercado de carbono, indicando que serão incentivadas práticas que aumentem a produtividade e reduzam o impacto ambiental;
  • Promover industrialização local – o texto sinaliza políticas de preferência à indústria nacional, apoio a parques industriais e estímulos a encadeamentos produtivos;
  • Assegurar previsibilidade para investimentos – entidades como APABOR e ABRABOR cobram segurança regulatória, acesso a crédito e incentivos fiscais para ampliar os seringais e desenvolver novas tecnologias.

Entre os instrumentos previstos estão programas governamentais de fomento com linhas de financiamento e capacitação técnica; integração da cadeia aos Créditos de Descarbonização (CBIO), permitindo que produtores gerem créditos a partir da redução de emissões; exigência de contratos digitais e rastreabilidade por coordenadas geográficas para cada etapa da cadeia; possibilidade de criação de um selo de conformidade RenovaBor e incentivos fiscais para insumos, equipamentos e exportação de borracha certificada. Ao internalizar práticas de manejo regenerativo, o RenovaBor pretende gerar um estoque relevante de créditos de carbono e induzir ganhos ambientais. Ao mesmo tempo, a exigência de rastreabilidade e digitalização tende a reduzir fraudes, trazer transparência e modernizar a comercialização.

O PL ainda enfrentará comissões temáticas e depende de regulamentação. Entre os desafios estão a burocracia de implementação, carências logísticas nas regiões de cultivo e a volatilidade do preço internacional da borracha, dominado por países asiáticos. Entretanto, a convergência entre a Política Nacional da Borracha já aprovada e o RenovaBor coloca o Brasil numa rota de protagonismo na economia verde.

Perspectiva crítica: tarifa como proteção temporária

A prorrogação da alíquota de 10,8 % pode servir como amortecedor para os produtores enquanto reformas estruturais são implementadas. Sem proteção, a arbitragem de preços internacionais e a sobre-oferta asiática poderiam deflagrar um êxodo de produtores e comprometer a oferta doméstica. Por outro lado, a depender exclusivamente de tarifas pode gerar complacência e retardar a necessidade de melhorar produtividade, gestão e sustentabilidade. A competitividade de longo prazo exige inovação, certificações ambientais e inserção em mercados de alto valor.

Alternativas de competitividade

Inovação tecnológica e gestão

O setor precisa migrar de um modelo artesanal para uma agricultura 4.0. Ferramentas digitais como aplicativos de gestão, sensores de campo e análises preditivas podem otimizar sangrias, reduzir desperdícios e aumentar a previsibilidade de oferta. O próprio RenovaBor prevê o uso de contratos digitais e rastreabilidade georreferenciada, abrindo espaço para que produtores adotem plataformas como o Seringueiro, que integra previsão climática, coordenações de produção e gestão de contratos. A mecanização, o uso de clones mais produtivos e a integração com cooperativas também são pilares para reduzir o custo unitário e mitigar a dependência de mão de obra especializada.

Certificações sustentáveis

No plano internacional, normas voluntárias e certificações têm se tornado condição de acesso aos principais compradores. Um exemplo é a Malaysian Sustainable Natural Rubber (MSNR). Segundo a Associação dos Países Produtores de Borracha (ANRPC), os princípios da MSNR incluem “não desflorestar para cultivo”, “não usar terras ilegais”, “sustentabilidade ambiental”, “compliance social” e “rastreabilidade da cadeia de suprimentos”. O programa exige que produtores e processadores licenciados atendam a esses padrões, e a conformidade será fiscalizada pelo governo. Adotar certificações desse tipo ou aderir a esquemas similares — como a plataforma Global Platform for Sustainable Natural Rubber (GPSNR), que reúne grandes fabricantes de pneus e compradores de borracha e exige compromissos com 12 princípios que vão desde sustentabilidade florestal e gestão hídrica até direitos trabalhistas e transparência — pode permitir que a borracha brasileira obtenha prêmio de preço nos mercados europeu e norte-americano.

Integração ao mercado de carbono

Outra via é a monetização de serviços ambientais. O RenovaBor já prevê a emissão de CBIOs para seringais, ampliando o potencial de receita para produtores que adotarem boas práticas. Fora do Brasil, iniciativas como a parceria entre a empresa Green Carbon e a Rubber Authority of Thailand (RAOT) sinalizam oportunidades adicionais: o projeto transforma madeira de seringueiras que já não produzem latex em biochar, gerando créditos de carbono. Esse acordo, formalizado via memorando de entendimento, utiliza resíduos de árvores com mais de 25 anos e se apresenta como a maior iniciativa de créditos de carbono envolvendo seringueiras; a Tailândia controla cerca de 4 milhões de hectares de seringais, e o projeto alinha sustentabilidade a práticas industriais. Esses modelos mostram que a extração de látex pode ser combinada com projetos de biochar, reflorestamento e conservação, diversificando as fontes de receita.

Conclusão

A defesa da tarifa de 10,8 % pela Faesp é um movimento defensivo para evitar um choque de preços e proteger a base produtiva nacional. No entanto, protecionismo sem reformas não garante sobrevivência no longo prazo. A tramitação do RenovaBor abre uma janela única para redefinir o setor: o projeto aponta para sustentabilidade, industrialização local e mercado de carbono, além de exigir rastreabilidade e inovação tecnológica. Para transformar essa visão em realidade, produtores, beneficiadores e governo terão de enfrentar gargalos logísticos, reduzir burocracias e investir em infraestrutura.

Em síntese, manter a tarifa é necessário, mas não suficiente. O setor de borracha natural deve avançar em produtividade, adoção de certificações sustentáveis e integração a cadeias globais de valor. Somente assim o Brasil deixará de ser um mero tomador de preço para se tornar referência de inovação e sustentabilidade na heveicultura global.