Guerras, logística e câmbio: como o preço da borracha natural pode reagir no mercado brasileiro

Brasil importa até 50 % da borracha que consome. Conflitos armados podem encarecer frete, dólar e referência IEA; veja cenários e ações ao produtor.

Guerras, logística e câmbio: como o preço da borracha natural pode reagir no mercado brasileiro

Introdução

O produtor brasileiro produz apenas metade da borracha natural que a indústria nacional demanda. Em 2023 o País colheu 463 mil t, mas precisou completar a oferta com importações de 17,9 mil t apenas em fevereiro de 2025, pagando US$ 1,8 bilhão no acumulado de 2024 . Esse déficit torna o preço interno altamente dependente do custo de importação (paridade IEA) e do câmbio. Quando conflitos armados fecham rotas ou elevam o risco marítimo, o custo CIF sobe e chega rápido à porteira.

O objetivo deste artigo é apresentar, de forma factual, como guerras e tensões geopolíticas podem se refletir no preço recebido pelo seringueiro brasileiro, que vende majoritariamente ao mercado interno.


1. Dependência de importação e formação de preço

  • Produção doméstica: 463 mil t em 2023, com São Paulo respondendo por 65 % .
  • Consumo industrial: estimado em 900 mil t/ano; portanto 40 – 50 % vem de fora .
  • Índice IEA: referência de paridade de importação (TSR‑20). Em dezembro de 2024 atingiu R$ 17,60/kg; em abril de 2025 recuou a R$ 13,21/kg, queda de 14,2 % em um mês .
  • Preço ao produtor (coágulo DRC 53 %): avançou de R$ 3,37/kg em junho de 2024 para R$ 6,56/kg em fevereiro de 2025, acumulando 95 % de alta em oito meses .

Em outras palavras, mesmo quem nunca exporta sente imediatamente o efeito de oscilações externas, pois a indústria local usa o preço de importação como teto.


2. Conflitos afetam a oferta mundial e a logística

  1. Sudeste Asiático sob tensão interna
    • Golpe militar em Myanmar desde 2021 reduziu colheitas e atrapalhou embarques de borracha nos Estados de Mon e Shan .
    • A Tailândia, maior exportadora, perdeu 7 % da safra 2025 por enchentes .
  2. Rotas marítimas em risco
    • Ataques no Mar Vermelho desde 2023 levaram armadores a contornar o Cabo da Boa Esperança, somando até 14 dias de viagem e sobretaxa de risco de guerra de US$ 250 – 1 000 por contêiner .
    • Para o Brasil, o frete Ásia → Santos para contêiner 40’ está em torno de US$ 2 800 (jun/2025) e varia fortemente a cada restrição de rota .
  3. Demanda militar
    Tanques, veículos e equipamentos médicos utilizam borracha natural; o mercado global de pneus militares deve crescer acima de 5 % ao ano até 2033, elevando a concorrência por matéria‑prima .

3. Papel do câmbio

No dia 18 de junho de 2025, o dólar fechou a R$ 5,49 . Para cada alta de 10 % na cotação da moeda norte‑americana, o custo de importação da borracha sobe quase na mesma proporção, pois 90 % da despesa é formada em dólar (preço FOB + frete + seguro). Assim, mesmo que a referência internacional recue, um real desvalorizado pode anular o benefício.


4. Evidências de transmissão ao mercado interno

Entre dezembro de 2024 (IEA a R$ 17,60/kg) e fevereiro de 2025 (R$ 15,40/kg), a queda de 12 % no preço de importação foi acompanhada por recuo de 4 % no coágulo pago ao produtor, de R$ 6,82 para R$ 6,56/kg . Isso prova que a variação externa chega, mas com alguma defasagem e amortecimento, pois a indústria mantém estoques de 30‑60 dias.


5. Três cenários para 2025‑2026

CenárioHipóteses‑chavePreço paridade IEA (R$/kg)Preço coágulo DRC 53 % (R$/kg)Probabilidade*
Tensão localizadaConflitos restritos ao Mar Vermelho; frete ainda alto; câmbio R$ 5,40‑5,6014 – 186 – 8Média
NormalizaçãoAcordo de navegação segura e clima regular na Tailândia; câmbio R$ 5,2011 – 145 – 6Alta
Piora amplaFechamento parcial do Estreito de Malaca ou embargo a Myanmar; câmbio acima de R$ 6,00≥ 19≥ 9Baixa

*Probabilidades qualitativas baseadas em frequência histórica de eventos similares; não constituem recomendação financeira.


6. Ações práticas para o produtor brasileiro

  1. Negociação por faixa de teor de borracha seca – Vender com DRC (53 %, 60 % etc.) permite preços acima da média quando a importação aperta.
  2. Calendário de corte e estocagem – Ajustar ciclo de sangria para concentrar entrega quando a indústria renova contratos.
  3. Monitorar frete internacional – Quando o valor do contêiner Ásia → Brasil cair abaixo de US$ 2 000, há espaço para importadores pressionarem a paridade ao produtor.
  4. Gestão de custos – Revisar adubação, intensidade de sangria e mecanização para suportar eventuais quedas de preço.

7. Indicadores para acompanhar semanalmente

  • Índice IEA‑SP de Importação (TSR‑20)
  • Cotação do coágulo DRC 53 % (IEA/Notícias Agrícolas)
  • Frete Ásia → Santos (cotações de armadores)
  • Taxa dólar/real – PTAX
  • Noticiário sobre Mar Vermelho e Sudeste Asiático

Conclusão

Embora o Brasil não exporte volumes significativos, guerras no exterior influenciam diretamente o bolso do seringueiro por meio do custo de importação e do câmbio. A lição é clara: acompanhar logística mundial e dólar é tão importante quanto vigiar clima e pragas no seringal. Quem planeja vendas com antecedência, diversifica contratos e reduz custos internos tende a atravessar períodos turbulento com margem preservada.